quarta-feira, 28 de abril de 2010

Seleção para Grupo de Estudos

Prezados alunos:

Dia 5 de maio, às 14 horas, vou selecionar interessados em compor grupo de estudos intitulado "bem jurídico nos crimes contra o sistema financeiro nacional". Quem quiser fazer parte, peço que mande - até 4 de maio - um breve CV para davi.tangerino@ufrj.br, dizendo porque gostaria de estudar esse tema.

Saudações,

Davi Tangerino

Notícias de um planeta sem vida

Apropriando-me de expressão empregada por Salo de Carvalho, compartilho algumas (tristes) notícias de um planeta sem vida.

Em chuvosa manhã paulistana reúne-se determinada Câmara do Tribunal de Justiça. O desembargador Beltrano estava presente apenas para julgar alguns feitos restantes, vez que, por algum motivo, não mais compunha aquela Câmara. Reproduzo o diálogo:

Presidente para Fulano: V. Exa. conhece os habeas corpus de relatoria do Desembargador Beltrano?
Fulano para Presidente: Não.
Fulano para Beltrano: Qual deles V. Exa. está a conceder?
Beltrano, compulsando rapidamente os papéis, para confirmar o que ele já sabia: Nenhum.
Fulano: Acompanho V. Exa.

Mais adiante, na mesma sessão, um advogado sustenta que seu cliente está preso há 11 meses, sem sequer ter tido início a ação penal, em razão de um conflito negativo de competência, motivo pelo qual requer o relaxamento da prisão em flagrante. Fulano é o relator e dá (praticamente) uma bronca no advogado por pleitear tal insensatez, nos seguintes termos: "Não existem prazos. 11 meses não me impressionam. O advogado quer ver valer um direito individual [o de ser julgado em tempo razoável]; eu faço valer o interesse coletivo, o interesse do cidadão de bem poder andar de bermudas e relógio Rolex, na rua, sem ter medo de ser assaltado".

terça-feira, 20 de abril de 2010

Acontece nas Ciências Criminais

Divulgando eventos muito interessantes que vão rolar entre abril e maio de 2010.

O V Simpósio Crítico de Ciências Penais, organizado pelo GEPeC (Grupo de Estudos e Pesquisas Criminais), com o sugestivo tema "Sistema punitivo: obscenidades e resistências", vai acontecer em Goiânia entre os dias 13 e 15 de maio. Dentre os palestrantes, meu querido orientador Alvino Augusto de Sá (USP), e os parceiros Ana Cláudia Pinho e Moysés Neto.

Em terras gaúchas, repassando divulgação do antiblog de criminologia do Prof. Salo de Carvalho, "Biologia e Sociologia da Violência, uma abordagem transdisciplinar". Entre os dias 26 e 27 de abril, no Auditório do Departamento de Genética, Instituto de Biociências, UFRGS, Campus do Vale.

Last but not least a II Semana de Direitos Humanos: cidadania e acesso à justiça, organizado pelo Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU) da UFRGS, entre 26 a 30 de abril de 2010 (Salão Nobre da Faculdade de Direito, na Av. João Pessoa, n. 80). Destaque para os quadros "Criminalização da Homofobia", com a presença, dentre outros, do Salo e da Mariana Weigert e "Adolescência e violência: menores em conflito com a lei", com intervenção do Rodrigo Ghiringuelli de Azevedo.

domingo, 18 de abril de 2010

Ademar Silva, o maníaco de Luziânia

O mais do que suspeito suicídio de Ademar Silva, o maníaco de Luziânia, na unidade prisional em que se encontrava, coloca fim a esse lamentável episódio que vitimou seis meninos de Goiás.
Como não poderia deixar de ser, culpa-se o magistrado por ter concedido progressão de regime a Ademar. Sem querer culpar ou absolver quem quer que seja - afinal não conheço os autos - queria chamar a atenção para alguns aspectos mais decisivos para a tragédia do que a decisão judicial em si (afinal de contas, na ausência de pre-cogs os juízes nunca poderão prever o que ocorrerá com a liberação de um condenado).
Primeiramente, havia um mandado de prisão expedido contra ele cuja verificação não foi possível por uma discrepância entre o nome (Ademar, Adimar, Admar). Ora, impensável que o sistema seja baseado apenas em nomes, sobretudo quando mero erro de grafia possa gerar uma não-conformidade, como a que acaba de ocorrer. Em segundo lugar, o sujeito tinha três carteiras de identidade, cada qual com um nome um pouco diferente. Um terceiro aspecto foi a "impossibilidade" de submeter Ademar a exames que revelassem se ele era ou não psicopata. Em entrevista, o juiz afirmou que se ele recomendasse todos os delinquentes sexuais a perícia o IML não daria conta. Por fim, uma análise superficial de como as investigações (não) foram conduzidas, mostra-se totalmente visível como a maior parte dessas mortes poderia ter sido evitada.
O cumprimento progressivo da pena privativa de liberdade é um dos últimos parâmetros de dignidade humana que restou ao sistema penitenciário. Creditar as seis mortes em Luziânia à decisão do magistrado que concedeu a progressão é, além de precipitado e simplista, macular instituto importante na execução penal e acentuar o totalitarismo midiático que busca sempre atar as mãos dos juízes criminais. Integração de informações, rigor na expedição de documentos e investimento na investigação policial teriam evitado (boa parte) da tragédia. O mesmo se diga de um diagnóstico de psicopatia de Ademar (que teria obstado, agora justificamente, a progressão).
Enquanto política criminal for apenas política penal, encarceradora, muitos outros Ademares virão. E não porque a pena se cumpre progressivamente, mas porque não fizemos a lição de casa em matéria de segurança pública e carcerária.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Mais materiais

Car@s alun@s:
Aos alunos do Núcleo de Prática Jurídica, seguem as cópias dos autos que discutimos em aula. Para os de Legislação Penal Especial, o "esquema de aula" sobre bem jurídico. Por fim, aos alunos de prática, o esquema sobre Inquérito e os casos práticos da aula de 14 de abril.
Abraços a tod@s!

terça-feira, 13 de abril de 2010

Para facilitar a vida dos meus alunos da UFRJ e para fazer um favor ao meio-ambiente, resolvi disponibilizar, no blog, as decisões e outros materiais usados em aula.
Vocês encontrarão: 1. Trecho de minha tese de doutorado, que usei como "guia" da aula introdutória sobre expansão do Direito penal; 2. Decisões que usaremos na aula de amanhã: i. HC n. 100.316/SC, Rel. Min. Celso de Mello (referente a descaminho); ii. HC n. 91.074/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa (referente ao delito de porte de entorpecentes no CPM); iii. STJ, HC n. 93.589/SP, Rel. Min. Maria Thereza (crime ambiental: pesca); iv. STJ, HC n. 72.234/PE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho (crime ambiental: fauna); v. TRF4, Apelação Criminal n. 2004.04.01.044264-3/PR, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz (art. 1º da Lei n. 7.492/86).
Até lá,
Prof. Davi Tangerino

Anistia e Comissão da Verdade: uma outra culpa é possível.

Amanhã, segundo informa do site do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Eros Grau deve levar a julgamento a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 153. Esse nome esquisito designa, nesse caso, uma ação que serve para perguntar ao STF se uma lei anterior à promulgação da Constituição é constitucional (ou, mais precisamente, se a lei foi ou não recepcionada pela Constituição), a exemplo do que ocorreu, recentemente, com a Lei de Imprensa, que datava da década de 1960. Na ADPF 153 o objeto das atenções é a Lei de Anistia, promulgada pelo Presidente Figueiredo em 28 de agosto de 1979.
Mais especificamente, questiona-se a anistia aos crimes conexos, ou seja, "os de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política" (art. 1º, par. 1º, da Lei de Anistia). Isso porque, sustenta-se, o desaparecimento forçado de pessoas, a tortura e as execuções sumárias extrapolam a natureza dos crimes políticos e não podem, sob pena de negar-se a dignidade humana, ser anistiados como se políticos fossem. Pedem, assim, que o STF interprete essa norma à luz da Constituição, excluindo do conceito de "crime conexo" aqueles atentatórios contra a dignidade humana, como os acima citados.
Estou absolutamente de acordo com as premissas do pedido: em que pese a importância de pacificação social das leis de anistia, não se pode referendar a violência estatal arbitrária, nada justificando a tortura, o desaparecimento forçado, as execuções sumárias etc.
Temo, porém, pelas consequências. Não são poucos os que sustentam a possibilidade de punir os militares, afastado o alcance da anistia. Em resposta, há os que afirmam que o terrorismo também deixaria de ser conexo, de sorte que os militantes de esquerda poderiam ser punidos. Discordo com veemência de ambas as posições. A irretroatividade da lei em matéria penal é garantia constitucional e a nova interpretação àquela norma, se vier, não poderá ter efeitos pretéritos, em nome do mesmo Estado Democrático de Direito que fundamenta o pedido da ADPF. De outro lado, nenhuma definição democrática de terrorismo poderá incluir a resistência civil a regimes autoritários.
Qual seria, então, o ganho de uma interpretação conforme à Constituição do parágrafo em debate? A possibilidade de as vítimas da ditadura militarem obterem o reconhecimento público e oficial de que essas pessoas foram vitimadas. É o que se chama de Direito à Memória. É o que o Plano Nacional de Direitos Humanos, em sua terceira versão, previu sob o nome de Comissão Nacional da Verdade, que tem por tarefa "promover a apuração e o esclarecimento público das violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política ocorrida no Brasil no período fixado pelo artigo 8º do ADCT da Constituição, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional" (Diretriz n. 23, Objetivo Estratégico I). Quem ler as ações previstas, verá que nada se falar quanto a punir quem quer que seja.
Fomos deseducados pelo Direito penal no sentido de acreditarmos que a única forma de se responsabilizar, com seriedade, é por meio da sanção criminal (pena). Estamos diante de uma excelente oportunidade de exercício cidadão e democrático de "reconciliação nacional": o Estado brasileiro reconhecer os erros cometidos e declinando os nomes dos responsáveis, afirmando (reconhecendo publicamente) que tais ou quais atos foram realmente perpetrados e que nosso regime jurídico-político atual os considera abusivos. As vítimas conhecerão seus algozes, ou, ainda, terão o respaldo oficial de eles existiram e que foram realmente algozes. As consciências podem se apaziguar, a verdade (ou uma verdade bilateral, contraditada, à míngua de uma verdade absoluta) pode emergir e responsabilidades podem ser assumidas, sem que com isso empregue-se o Direito penal (ao menos em sua formulação clássica, apegada à pena). Há inúmeros mecanismos de justiça restaurativa que poderiam ser empregados fora (a exemplo de experiências na África) ou dentro dos procedimentos legais.
Sem culpados ou danados. Apenas contendores reunidos a partir de um dano de relação, que buscam cicatrizar uma chaga, o reconhecimento do erro e o exercício de simpatia pela dor do outro. Exercício de alteridade, que poderá abrir caminho para o perdão, com ganhos democráticos infinitamente superiores ao encarceramento de um punhado de representantes de um regime de exceção.