A Faculdade Nacional de Direito (UFRJ) abrigará, em outubro, seminário internacional dedicado ao tema da justiça de transição no Brasil. Em que pese nossa experiência ditatorial não ter sido nada branda, a busca por responsabilização dos agentes estatais em razão dos bárbaros crimes cometidos tardou muito em relação a outros países latinoamericanos. Bem verdade que organizações tais como o Tortura Nunca Mais se organizaram logo após a redemocratização, mas as instituições só começaram a se movimentar rumo a processos de justiça de transição muito mais recentemente.
Já escrevi no blog como vislumbro uma diferença muito clara entre o clamor por responsabilização e o clamor por punição. São, muito embora variações sobre um mesmo tema, movimentos distintos, com repercussões jurídicas e políticas bem diversas. Aliás, o post veio na esteira do julgamento pelo STF da ADPF da Lei de Anistia, em que insistia que tomar a (correta) decisão do Supremo - de não permitir a aplicação do Direito penal aos agentes públicos anistiados - como ponto final no capítulo "revisitar as atrocidades da ditadura" seria um tristíssimo equívoco.
Desde então, dois episódios da justiça paulista merecem breve comentário. O juiz Ali Mazloum indeferiu pedido de arquivamento de inquérito policial que apurava o delito de ocultação de cadáver cometido contra Fábio Molina, militante de esquerda preso em 1971 pelo famigerado DOI/CODI. O magistrado afirmou que a contagem do prazo prescricional, no delito em questão, começa a contar da data da descoberta do cadáver. No que interessa à análise, afastou a incidência da Lei de Anistia, por entender que o referido delito estaria fora do alcance do esquecimento estatal.
Disso sim se trata, em meu enteder, o direito à memória e os preceitos da justiça de transição: tornar responsável o Estado e seus agentes pelos abusos cometidos. O emprego do Direito penal, após 30 anos, contraria os mesmos alicerces do Estado Democrático de Direito que a ditadura solapou, de sorte que seria algo na linha do "ladrão que rouba ladrão". Já ações como essa vão ao cerne do problema: geram o reconhecimento (i) de que o fato ocorreu; (ii) que foi cometido por pessoas determinadas; e (iii) que responderão pelos delitos cometidos, ainda que não por meio das sanções penais.
Aplausos.