terça-feira, 13 de julho de 2010

20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente

O ECA celebra hoje seu 20ª aniversário. Em que pesem as incontáveis oportunidades de melhoria, inconteste que se avançou muito no Brasil, no campo do direito das crianças e dos adolescentes, nos últimos vinte anos. Dentre as oportunidades de melhoria, muito se fala em ampliação do acesso à educação, do incremento das políticas públicas de saúde e de lazer, e até mesmo de aspectos legais a exemplo da adoção.
Inevitavelmente, o discurso punitivo também está muito presente quando o assunto é ECA. Não é de hoje que se envidam esforços para a redução da maioridade penal, cuja contestação tem sido feita publicamente por pessoas mais capacitadas do que eu, de modo que não adentrarei essa seara.
Queria apenas comentar a tentativa de (re)incriminação dos maus tratos contra crianças e adolescentes.
A violência da sociedade brasileira se faz perceber a partir de várias máscaras: a do patriarcado foi exposta, no último post, a propósito do homicídio de Eliza Samudio; a do sistema de justiça criminal ocupa rotineiramente o noticiário, especialmente no campo penitenciário; a esportiva em razão das brigas de torcidas etc.
Muito provavelmente todas elas compartilham, em alguma medida, causas comuns, eis que já constituem a identidade do povo e, assim, são culturalmente transmitidas e vivenciadas, reproduzidas por meio das relações cotidianas e - até por isso - tão diluídas no modo de vida, que passam despercebidas. Uma delas certamente NÃO é a falta de normas penais incriminadoras.
Nenhuma quantidade de pena cominada ao homicídio evitaria o homicídio de Eliza Samudio; não foi qualquer brecha na legislação que permitiu a chacina da Candelária ou a violência que a procuradora Vera Lúcia Sant´Anna Gomes teria cometido contra a menina que pretendia adotar. E não será um novo tipo penal que impactará maus tratos impingidos pelos pais contra seus filhos.
Parece utópico e simplista - e admito que a concretude do discurso punitivista o torna especialmente atraente -, mas a redução da violência só será possível por meio de uma cultura de paz. Cultura que deve ser incentivada e fomentada em todos os níveis, para que detone círculos virtuosos: o Estado tem que desenvolver políticas não violentas no trato com o cidadão, em todas as suas agências, e não se escondendo atrás da plaquinha que transcreve o tipo penal de desacato (e, curiosamente, não o de abuso de autoridade); os espaços de mediação de conflitos devem ser ampliados e as soluções extra-judiciais incentivadas, sem descambar para a cartorização da justiça, como acontece nos juizados especiais; as escolas são vetores fundamentais dos valores pacifistas, de construção conjunta, solidariedade, generosidade etc.; a supervisão parental deve, primeiramente, poder existir, já que, descontadas as 9 horas médias de jornada de trabalho e as 4 horas de locomoção, sobra bem pouco tempo, e se harmonizar com a formação escolar e com o usufruto dos espaços públicos de lazer e de socialização.
Evidente que não é simples nem imediato, mas terá impactos reais, decisivos e duradouros. Subscrever, todavia, como "diagnóstico alternativo", a simples (re)criação de um tipo penal, é, na melhor das hipóteses, preferir o placebo alentador da manipulada opinião pública aos princípios ativos que poderiam, de fato, mudar alguma coisa.
Vida longa e próspera ao ECA e oxalá os direitos e garantias ali previstos sejam efetivados. Nesse dia, normas penais serão, em sua quase totalidade, despiciendas.

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