quarta-feira, 24 de março de 2010

Mortes em São Paulo

Dois homicídios tomam conta dos noticiários brasileiros: o da menina Isabela Nardoni, em razão do julgamento de seu pai e de sua madastra, acusados de tê-la matado, e do cartunista Glauco. Como sói acontecer, são dois episódios lamentáveis, cada qual com seus tons particulares de tragédia humana. Pessoalmente, estou farto do caso Nardoni, principalmente pela exploração midiática de um acontecimento que, muito embora chocante, porquanto envolve - em tese - a morte intencional da filha pelo próprio pai, não representa, nem de longe, um problema social. Vou mais longe: qualquer pena que o Tribunal do Júri venha a aplicar (se é que virá) será relativamente insignificante, eis que Jatobá e Nardoni são sobrenomes que carregarão consigo, para sempre, a marca de sangue.
A cobertura do homicídio do Glauco, por sua vez, mistura sangue a "drogas", os melhores ingredientes para um bom sucesso de vendagem. O inimigo da vez é o Santo Daime, ou, mais precisamente, o consumo do ayahuasca com vistas a "alcançar o auto-conhecimento e a experiência de Deus ou do Eu Superior Interno", conforme informe o site Portal do Santo Daime.Afirma-se o potencial do ayahuasca em acentuar psicopatias, em especial a esquizofrenia. Sinceramente, estou muito pouco preocupado com o Daime. Ao contrário, qualquer grupo que busque o auto-conhecimento e proclame o amor pela natureza e consagre o "mundo vegetal  e todo o planeta como sendo o cenário sagrado da nossa mãe-terra" conta até com minha simpatia. Da morte de Glauco salta à vista, porém, um elemento sério de segurança pública, solapado pela debate moralista que, como sempre, impõe um véu de cegueira sempre que o assunto envolva substâncias que alterem a percepção, "drogas": o acusado portava arma de fogo calibre 7.65, com numeração raspada.
Não foi o Daime que matou o Glauco: foi uma arma de fogo confiada a um rapaz absolutamente incapaz de manusear um instrumento que só serve ao propósito de matar. Tramita no Congresso projeto de lei que amplia a relação dos que podem portar arma de fogo.Não se tem qualquer indício de que os seguidores do Santo Daime, ainda que sob efeito do ayauhasca cometam delitos de qualquer natureza; já o impacto do porte indiscriminado de armas de fogo é amplamente conhecido não apenas nos círculos da segurança público, como também nos de saúde pública.
Encarar o incidente sob a ótica do Daime é, uma vez mais, revalidar estereótipos moralistas e deixar de lado o fato criminógeno relevante: o emprego de arma de fogo que, a propósito, deveria ser banido do nosso país.

12 comentários:

  1. Excelentes as observações.
    Bom ler teus posts.

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  2. te falar uma coisa davi. vc não avisou que tinha aberto seu puxadinho virtual e isso é tipo de coisa que magoa. como não guardo mágoas, já falei do ótimo texto aí do daime X armas no twitter e coloco seu blog na lista dos preferidos do Esforçado. e, ai ai ai, que isso não se repita.

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  3. As suas observações sobre o Daime são objetivas e deslocam a questão para onde ela deve estar: o acesso às armas! Parabéns!
    Maurício Fiore

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  4. Ai que o orgulho do maridos enche o peito! Parabéns! Um beijo!!

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  5. Queridão, concordo 200% com sua abordagem. Não tinha pensado sobre essa ótica do desarmamente, bem mais importante.

    Mas prosseguindo na linha dos meus comentários "vamos debater", me diga uma coisa sincera: saber que o cara era pastor do Santo Daime não te deu um certo alívio no âmago ('puxa, então não poderia ter acontecido comigo')? O crime em si é chocante, como vc disse. Porém para mim tornou-se menos angustiante quando caiu o aspecto de aleatoriedade e gratuidade de um assalto/sequestro seguido de morte, que foi o que se noticiou inicialmente...

    Disclaimer: evidentemente, não acho que seja certo ou presumivel o que aconteceu, como tem gente querendo conotar... apenas para mostrar que apesar dessa doutrina religiosa ser simpática (concordo), dar alucinógenos a adolecentes retardados também é uma política perigosa. Apesar de 100% menos perigosa do que a política do "re-armamento", ainda sim é não razoável.

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  6. "dar alucinógenos a adolecentes retardados também é uma política perigosa", cuma? fazia pelo menos seis meses que ele não tomava. e ele podia beber tranquilamente (o que é legal), o que daria no mesmo. porque o caso não tem nada a ver com o daime e sim com um obsessão do cadu para com o glauco (obsessão com arma na mão). caro daniel, poderia ter acontecido com qualquer um.

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  7. Dani: entendo totalmente a sensação de "conforto" ao perceber que não foi uma situação clássica de roubo com resultado morte. Ao se inserirem do cenário elementos não corriqueiros como alucinógenos, religião e esquizofrenia, resta, claro aquela sensaçãozinha do tipo "ufa, mas é que havia uma infinidade de variáveis nessa tragédia". Voltando ao Daime, não vou afirmar que o consumo de ayahuasca seja tão neutro quanto tomar água; há riscos envolvidos em perder a consciência e aparentemente essa substância tem um impacto particular em psicopatias tais como a esquizofrenia. Esses riscos, porém, me parecem similar ao do consumo de maconha, em relação a acidentes de carro, ou de álcool, em relação a homicídios entre pessoas que se conheciam. Estou apenas querendo dizer que tudo envolve riscos; devemos centrar nossas armas - assim me parece - apenas naqueles fatores em que a chance de perturbação social seja claramente mais expressivo do que a subtração da liberdade individual. Por vários motivos: a liberdade é a regra; a auto-lesão é assunto privado; e, principalmente, começar a proibir condutas arriscadas é, como diz o ditado, a exemplo de trair e coçar, apenas uma questão de começar. Abração e obrigado pelos comentários, Davi

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  8. deivid, que lindo vc com um blog!!! adorei! mas saindo desse momento groupie, adorei o texto tb. que mau humor do povo se perdendo nos detalhes "sórdidos".
    beijao,
    sterzi

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  9. Perfeito Davi! Uma vez uns alunos meus fizeram um excelente trabalho para a cadeira de Filme Publicitário. Fizeram um comercial ótimo e que o slogan era: "Não existe arma que não tenha sido feita para matar". Acho que essa frase resume e conclui as discussões em torno das armas.

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